Em Memória Deles
Há alguns
episódios em nossa vida que nos ficam marcados profundamente e eternamente. E
nós não podemos escolher que tipo de fato ficará em nossa memória, se serão os
fatos bons, engraçados ou os ruins, tristes. O fato que contarei a seguir é
algo que me marcou muito, mas eu não sei se é bom relembrá-lo ou não, pois...
não sei como falar... ao relembrá-lo lembro coisas tão boas mas o fato, em si,
não é bom.
13 de agosto de
2010. Um dia aparentemente normal. Porém nublado, com momentos de chuva(eu
odeio dias chuvosos). Como todas as manhãs, levantei-me e fui para a escola,
minha mãe foi trabalhar e o meu pai e meu irmão ficaram em casa. Mas eu não
imaginava o que aconteceria naquele dia, naquela sexta-feira. Na escola foi
tudo “normal”, com temas, trabalhos e provas, sem nada diferente ter
ocorrido... ainda.
Voltando para
casa, quando eu desci do ônibus, meus cachorros foram me receber, como sempre,
tão alegres, que pulavam, e queriam brincar. Chegando em casa, eu preparei a
comida e eu e meu irmão almoçamos, normalmente. Depois, eu o levaria para a
escola e voltaria para casa, para fazer os temas, fazer uma faxina e por último,
brincar com os meus queridos amigos, Bob
e Guri, alguns de meus cachorros.
Ao terminarmos de
almoçar, eu e meu irmão saímos, e não vimos nem o Bob, nem o Guri e nem os
outros cães, incluindo a mãe dos dois pequenos. A história de como o Bob e o
Guri apareceram em minha vida daria outra crônica, porém mais engraçada. Mas
vou tentar resumi-la: num dia quente de verão, sim, lembro-me, 28 de janeiro desse
mesmo ano, eu estava na lavoura de meu pai e vi um cachorro, ou o que pelo
menos eu achava que era um cachorro, mas me surpreendi ao perceber que não era
um cachorro, e sim uma cadela, muito dócil e que me seguiu a manhã inteira.
Quando meu pai à viu disse-me que ela estava prestes a dar a luz a filhotes. Mesmo
não querendo mais cães por já termos muitos, nossa família resolveu ficar com
ela, pois alguém já tinha sido muito mau com ela, jogar uma cadela fora, apenas
por ela estar prenha? Somente o ser humano para fazer uma brutalidade dessas! E
nós, não faríamos o mesmo. Não muito tempo depois, no dia 11 de fevereiro de
2010, a nossa cadela dá a luz à cinco cachorrinhos e uma cadelinha, muito
fofinhos. Ficamos desconfiados de que os cachorrinhos fossem filhos de um outro
cachorro nosso, mas não sabemos se é
verdade. Dos seis, ficamos apenas com dois, os outros foram doados. Nós ficamos
com um que era idêntico à mãe, o Bob, e o outro idêntico ao pai (se o nosso
cachorro fosse o pai), o Guri.
Caminhando em
direção à escola de meu irmão, não sei por qual motivo, eu olhei para trás e vi
o Bob entrando no nosso quintal, que fica junto a casa e disse para o meu
irmão:
- Olha, Júnior, o
Bob chegou!
Sempre que eu
levava meu irmão para a escola, eu aguardava até a professora chegar, por uma
questão de segurança, não somente do meu irmão, mas como de todos os alunos.
Mas naquela sexta-feira a professora estava demorando muito, só podia ter
acontecido alguma coisa. Interrompendo esse meu pensamento, uma vizinha chegou
e me disse que a professora havia lhe ligado e dito que o pneu da sua moto
furou e que perguntou se eu poderia ficar com os alunos enquanto ela não
chegava. Eu tinha muitas tarefas para fazer em casa, mas sendo eu uma ex-aluna
daquela escola, resolvi fazer esse favor. Fizemos brincadeiras, assistimos TV,
desenhamos no quadro, e outras coisas. Até que a professora chegou. Ela me
agradeceu e eu fui para casa.
Chegando em casa,
já sendo umas 3 horas da tarde, não vi nenhum cachorro em casa, não estranhei,
pois às vezes, eles saiam para dar um ‘passeio’ ou estavam em minha avó. Meu
pai estava se aprontando para ir à cidade, fazer os negócios semanais, e
aproveitar e buscar a minha mãe no seu trabalho. Logo depois que ele saiu, eu
comecei a fazer aquela faxina em casa. Uns cinco minutos depois, meu pai
voltou, angustiado:
- Patrícia, você
viu o Guri e o Bob hoje?
Eu já assustada,
respondi:
- Eu vi o Bob ao
meio-dia. Mas o Guri eu não vi.
- Você não viu se
alguém veio aqui hoje à tarde?
- Não, por que?
- O Guri está
morto na porteira, próxima da estrada.
Morto? Eu não
podia acreditar. Comecei a chorar, chorar muito. Como estou fazendo agora, ao
relembrar essa história.
Meu pai logo me
disse para procurar o Bob e amarrá-lo, pois ele achava que o Guri havia morrido
envenenado e com certeza ainda havia vestígios do veneno próximo do local onde
meu pai encontrou o cão. Mas já era tarde demais, o Bob não estava mais em
casa, logo pensamos no pior: ele já havia comido o veneno também. Os cachorros
grandes já sabem reconhecer o veneno, mesmo que este seja dado aos cachorros
junto com alimento, como feito com o meu Guri, mas os pequenos como o Bob e o
Guri, coitadinhos, tão pequeninos, não souberam reconhecer.
Meu pai não iria
deixar o Guri lá, próximo da estrada. Ele iria trazê-lo e enterrá-lo, pelo
menos isso. Ao trazer o Guri, meu pai o pôs num canto isolado, uma espécie de
uma gaiola. Disse-me que era melhor não chegar perto ou tocar nele, pois o
veneno ainda poderia agir contra mim. Meu pai ainda tinha que ir para a cidade,
então foi.
Eu larguei tudo
e, com uma corda nas mãos, fui em busca do Bob, e mesmo sabendo que eu não o
acharia ou que o acharia morto, eu dizia para mim mesma que eu o encontraria,
vivo. Caminhei muito, apesar do chuvisqueiro que molhava o meu rosto, não
parei, um instante de procurá-lo. Fui até as lavouras, onde encontrei minha
avó, que não sabia de nada ainda e que, ao lhe contar, ficou perplexa e disse
que não havia visto o Bob desde o meio-dia.
Sempre
desabando-me em lágrimas, lágrimas que apenas eu podia ouvir e sentir,
continuei procurando, fui na casa de meus avôs e nada. Como ao redor de minha
casa há bastante matagal, seria bem complicado encontrar o Bob, ainda mais se
ele estivesse morto. Fiquei procurando o Bob a tarde toda, e não encontrei
nada.
Ao voltar para
casa, decepcionada e muito triste, não resisti e fui ver o Guri, ele estava com
a boca cheia de espuma, consequência do veneno ingerido, voltei a chorar
novamente ao vê-lo.
Quando o meu
irmão chegou da escola, tratei de não contar nada para ele, apenas dizer que o
Bob e o Guri haviam saído e ainda não tinham voltado, como já havia acontecido
com outros cachorros nossos. Ele acreditou, e não abalou-se muito, não tanto
quanto eu (e eu sou mais velha que ele!). Quando o meu pai e a minha mãe
chegaram, eu contei tudo para a minha mãe, a única que ainda não sabia de nada.
A cada hora que passava, eu ficava mais angustiada, pois o Bob não aparecia.
À noite, fiquei
sabendo de outra tragédia ocorrida naquela sexta-feira: a gatinha da minha avó,
bem pequenina também, havia morrido, e envenenada. Naquela noite, quase não
dormi, pensando no dia seguinte e no Bob. A dor da perda desses dois, começou a
diminuir, conforme passavam-se os dias, mas o corpo de Bob não foi encontrado.
Alguns dias
depois, fazendo uma faxina no galpão e embaixo dele também, à procura de uns
canos para o nosso forno de fumo, meu pai encontrou uma coisa estranha, que ele
não sabia descrever bem, pois estava longe dele, ao se aproximar do estranho,
ele leva um grande susto: era o Bob, ele havia conseguido chegar em casa, mas o
Guri não. O Bob morreu em casa, embaixo do galpão, um lugar que eu havia olhado
quando procurei-o, naquela tarde. Naquele momento, senti-me culpada.
Uma semana depois
do dia 13, no domingo, um outro cachorro que eu gosto muito foi envenenado, mas
desta vez, nós conseguimos salvá-lo, pois meu pai ligou para um veterinário e
ele trouxe injeções e remédios. E nós vimos quando ele chegou, babando e com as
pernas trêmulas. Ver isso acelerou o processo para salvá-lo. O Lulu, o cachorro
desta vez envenenado, ficou muito mal e quase morreu, mas nós cuidamos muito
bem dele, então se salvou e está até hoje comigo.
Depois de todas
essas coisas ruins que aconteceram, com os nossos animais, eu fiquei me perguntando,
sem obter nenhuma resposta: “Por que alguém dá veneno para um cachorro morrer?”
É alguém que não tem coração, disso eu tenho certeza. Isso me provou que o ser
humano é capaz de fazer tudo, tudo o que quer, tanta maldade, tanta
violência...
Sentimo-nos
culpados por não ter amarrado todos os cães, para que eles não saíssem. Mas ver
eles amarrados é muito triste, todos querem ser livres e os cachorros também,
mas há certos cães que vão à casa dos vizinhos e os vizinhos não gostam disso,
talvez foi por isso que deram veneno para os meus cachorros, que saíam de vez
em quando. Mas nada justifica o que essa pessoa fez com eles. Eles tinham cinco
meses, apenas cinco meses, tinham toda a sua vida pela frente, mas não, alguém
tem que vir e acabar com tudo.
É muito difícil
falar sobre algo de mal que aconteceu com alguma coisa, ou alguém que você
gosta. Como para mim, eu gosto muito de cachorros, são meus grandes amigos, mas
eu quis escrever sobre eles porque eu queria ver como ficaria esta história no
papel. Eu não costumo guardar datas na cabeça, apenas de coisas muito boas ou
de coisas muito ruins, e essa foi um acontecimento ruim em minha vida, um
acontecimento que eu acredito que eu não vou esquecer e se esquecer, terei estas
palavras para lembrar-me. Eu escolhi falar sobre isso porque, também, foi algo
bem recente e que foi muito chocante. Você ver o seu cachorro e algumas horas
depois vê-lo morto, é muito doloroso. A maioria das pessoas não pensa assim,
talvez me achem uma boba, mas para mim é muito importante e
marcante.
Mesmo chorando
para escrever várias partes do texto, eu escrevi porque eu queria lembrar
deles, e parece que, ao escrever, eu me reaproximei dos meus cachorros.
Dedico esta
crônica em memória de vocês...
Bob e Guri.